O Banho


Entrou no banheiro, desnudou-se, e abriu a portinha do box para tomar banho. Três movimentos, antes de ouvir as palavras que vinham do quarto contíguo. Deixou-se estar por um momento, estática, querendo saber o que diziam. “Se ela tivesse feito melhores escolhas, teria o futuro garantido. Mas o problema é que ela nunca pensa com a cabeça, sempre faz as escolhas menos pragmáticas. Desde o início, eu tinha dito a ela que a única maneira de ganhar dinheiro era fazendo o curso de Direito”.

Lentamente, dirigiu-se novamente para o chuveiro. Abriu-o devagar, e com as mãos sentiu a temperatura da água, estava fria. Pegou o sabonete e começou a esfregá-lo no corpo. Precisava limpar-se, sentia-se impregnada com a atmosfera da casa, uma certa tristeza que não a largava, um gosto amargo. “Sempre sonhou demais, e nunca concretizou nada. Já deveria ter a sua própria casa, com essa idade e ainda dependendo de nós para tudo”.

Decidiu aumentar a pressão do chuveiro, e jogou-se lá dentro. Procurou movimentar-se um pouco para amenizar o frio. De súbito, resolveu interromper o fluxo de água para continuar escutando. “Ela não se esforça, o problema está ai. Ela é preguiçosa. Quando eu penso em todo o dinheiro que nós investimos. Tudo pela educação dessa menina, e ela não soube aproveitar”.

Encostou-se na parede, indecisa, sentindo a água escorrer pelo seu corpo. Não sabia se deveria continuar o banho ou apenas escutar. Algumas palavras chegavam apenas pela metade e precisavam ser refeitas. Resolveu pegar o shampoo, e terminar de esvaziar o recipiente. “Ela não se parece conosco. Quando criança ficou muito tempo na casa da avó, sendo educada por mamãe. Eu não me vejo nela. Acho que não herdou nada de mim”.

Passou a massagear bastante os cabelos, fez isso até sentir uma grande quantidade de espuma percorrer o seu corpo, e cobrir as paredes do banheiro. Quando era criança, adorava brincar com as espumas. “Sempre foi uma menina muito quieta. A gente tinha que roubar dela as palavras. Foram dez anos de terapia que não serviram para nada. Ela sempre foi muito egoísta, e nunca nos escutou. É uma ingrata, não falou nada durante todo o almoço. Não deve ter por nós bons sentimentos”.

Aprazia-se em sentir os fios mais soltos, deslizantes, poder percorrê-los com os dedos, alisá-los. O condicionador sempre fazia ela sentir-se com cabelos mais lisos do que eram de fato. Imaginava-se mais bela quando os fios se deixavam escorrer pelo rosto, perfumados. “Ela não é graciosa. Tem engordado demais ultimamente. Já tem trinta anos e acho que não vai casar-se”.

Deixou-se cair no chão do banheiro, e não conseguiu controlar um choro convulso. O seu corpo misturava-se com a espuma que ia escoando lentamente pelo ralo. Os anos haviam se passado daquela forma, num esvair-se sem contenção. E havia aquela sensação de que não sobrava nada, tudo era como um roubo furtivo, uma morte que ia sendo gerada devagarzinho.

Somente aquelas espumas existiam, e o chuveiro que ela acabava de ligar novamente. Era preciso passar mais sabão no corpo, shampoo, condicionador. Era preciso sentir no corpo aquela sensação de que alguma coisa se esvaziava para sempre, sem piedade ou compaixão. Ela não podia abrir a portinha mínima do box. Sentia-se impossibilitada de transpor aquela pequena divisória de vidro que a separava do mundo.



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